Em meio à desvalorização, educação resiste como saída para jovens mudarem de vida em MS
“Decidi dar tudo de mim naquela redação”. Com essa convicção, Jeniffer Sthefany, de 18 anos, mudou o rumo de seu destino: em janeiro deste ano, a estudante venceu o 7º Concurso de Redação – Um passeio com Manuel – da Fundação Manoel de Barros e conquistou uma bolsa integral para o curso de Direito.
Neste domingo, 28 de abril, é celebrado o Dia da Educação. A data, instituída em 2000 pela Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura), simboliza o compromisso das nações com o desenvolvimento da educação até 2030.Nesta reportagem, traz a história de Jennifer, que mostra o poder transformador da educação.
Primeira da família a cursar uma faculdade
Jennifer Sthefany Azevedo foi a primeira de sua família a ingressar no ensino superior, abrindo um novo ciclo de expectativas ilimitadas. Até os 15 anos, ela morava no município de Coxim, a 253 km de Campo Grande. Embora apreciasse sua cidade natal, Jennifer reconhecia que ali havia poucas oportunidades de crescimento profissional.
“Meus pais não cursaram o ensino superior, e meus irmãos também não. Apenas uma irmã começou a graduação em farmácia, mas parou devido à dificuldade do ensino a distância. Então, dentro da minha casa, fui a primeira”, relata.Em busca de melhores oportunidades de emprego, seu pai decidiu que a família toda se mudaria para Campo Grande. Na nova cidade, ela se matriculou na E.E. Padre Mário Blandino, onde encontrou um ambiente propício para alcançar seus objetivos.
“Quando me mudei para a Capital, sabia que teria mais oportunidades de estudo do que em minha cidade. E foi isso mesmo, graças a essa mudança, muito esforço e resiliência diante das dificuldades, consegui ingressar em uma faculdade maravilhosa”.
‘Decidi dar tudo de mim naquela redação'
A oportunidade de participar do concurso ‘Um passeio com Manuel' surgiu por incentivo da própria escola. A princípio, a ideia era que a redação fosse apenas um treino para o Enem (Exame Nacional do Ensino Médio), mas Jennifer estava determinada a mudar o rumo de sua história.
“Lembro que a Fundação Manoel de Barros esteve em minha escola para apresentar o concurso. Meus professores nos incentivaram a participar, pois seria um bom treino para o Enem. No entanto, decidi dar tudo de mim naquela redação”, conta.
Assim, ao lado de uma colega de turma, ela ficou entre os 40 finalistas, depois ficou entre os dez classificados até conquistar o 1º lugar. A redação tinha como tema os ‘Desafios para a preservação do bioma Pantanal: responsabilidade local e nacional pela busca da sustentabilidade'.
“Chorei muito quando ganhei, pois o primeiro lugar garantia uma bolsa de 100% na Uniderp. Ali vi todo meu esforço sendo recompensado. Caso contrário, não teria condições de pagar por uma faculdade. Foi uma alegria inimaginável”, relembra.
‘Definitivamente, Direito não era a primeira opção'
Escolher a carreira profissional é uma tarefa desafiadora, ainda mais quando se tem 17 anos. Até vencer o concurso, Jennifer sonhava em cursar Biologia, mas ao conhecer cada curso, um leque de possibilidades se abriu diante dela.
“Definitivamente, cursar Direito não era minha primeira opção. Devido à minha limitação de informações sobre os cursos, áreas de atuação e como elas se interligam, minha visão era bastante limitada”, explica.
Após conquistar a bolsa, Jennifer teve a oportunidade de conversar com os coordenadores de diversos cursos oferecidos pela Uniderp.
“Essas conversas abriram um leque de oportunidades acadêmicas inimagináveis. Ao conhecer cada curso e tirar as dúvidas que tinha, escolhi cursar Direito, uma área que não imaginava escolher, mas a cada aula tenho certeza da minha escolha”.
‘Aprendi a usar o tempo ao meu favor'
Desde o ingresso na faculdade, Jennifer se divide entre trabalho e estudos. Pela manhã, frequenta a faculdade e das 14h às 22h, trabalha em um café em um Shopping da Capital. Com uma jornada dupla, conciliar trabalho e estudos se tornou um desafio, mas a jovem decidiu usar o tempo ao seu favor.
“A princípio foi difícil, o mais complicado era o tempo que ‘perdia' no ônibus indo e voltando para os dois lugares. Mas aprendi a usar isso a meu favor, na semana de provas, enquanto estava no ônibus revisava as aulas por meio dos áudios que gravava da aula”, explica.
Conforme a estudante, mesmo ganhando um salário mínimo, o trabalho viabiliza que ela conquiste alguns desejos materiais, como um Tablet para auxiliar nos estudos, mas no próximo ano sua meta é conseguir um estágio.
Para o futuro Jennifer planeja atuar na área de direito ambiental, mas até lá, a jovem – que cursa o 1° semestre – pretende aproveitar ao máximo cada aula.
“Sou muito grata pelo que estou vivendo através da educação. Tenho muitas expectavas sobre meu futuro e me vejo as alcançando por meio dessa nossa ferramenta universal e tão poderosa, a qual é a educação. Vou aproveitar cada segundo durante esse processo”.
Fatores sociais limitam acesso ao Ensino Superior
Mato Grosso do Sul apresenta uma taxa de escolaridade líquida de 22,4%, medida que indica o percentual de jovens de 18 a 24 anos matriculados no ensino superior em relação ao total da população da mesma faixa etária. Do total de alunos do ensino superior no Estado, 49,3% têm até 24 anos, conforme os dados do Mapa do Ensino Superior no Brasil, elaborado pelo Semesp.
O perfil dos candidatos inscritos no Enem, principal porta de entrada para as universidades, também influencia quem ingressa no Ensino Superior.
Dados do Inep revelam que, em 2023, o número de candidatos brancos foi significativamente maior em comparação aos demais grupos étnico-raciais. Entre os candidatos, 22.303 se identificaram como brancos (46,98%), 18.700 como pardos (39,45%), 3.631 como pretos (7,66%), 1.245 como indígenas (2,63%) e 1.010 como amarelos (2,13%). Além disso, 581 candidatos não declararam sua raça.
Número de candidatos autodeclarados pretos é 38% menor que brancos em MS (Madu Livramento, Midiamax)
Apesar de Mato Grosso do Sul abrigar a terceira maior população indígena do Brasil, com 116,3 mil pessoas, segundo o censo do IBGE, o número de candidatos autodeclarados dessa etnia é o sexto maior entre os estados, com 1.245 indígenas inscritos, o que corresponde a 2,36% do total.
Quando analisado o nível de escolaridade dos candidatos, a maioria era concluinte do 3º ano do ensino médio, cerca 17.857 participantes, o que também reflete no perfil de quem ingressa nos cursos de graduação no país.
Em 2022, mais de 900 estudantes concluintes do Ensino Médio na REE (Rede Estadual de Ensino) conseguiram resultados expressivos em termos de aprovação no Ensino Superior, segundo informações da SED (Secretaria Estadual de Educação).
Lei de cotas democratizou acesso à educação
Vale lembrar que, desde 2012, a Lei de Cotas estabelece que candidatos PPI (Pretos, Pardos e Indígenas) podem concorrer a vagas exclusivas em instituições de ensino superior públicas, desde que tenham cursado os três anos do ensino médio na rede pública.
As vagas reservadas dividem-se igualmente entre estudantes com renda familiar de até 1,5 salário mínimo por pessoa e aqueles com renda superior a esse valor, havendo vagas específicas para candidatos autodeclarados PPI em cada faixa de renda. A partir de 2017, PcDs (Pessoas com Deficiência) também passaram a ser incluídas nas vagas destinadas pela Lei de Cotas.
Desvalorização da educação gera protestos em MS
Em 2024, o Dia da Educação é marcado por um cenário turbulento, com movimentos grevistas de professores e servidores federais, além de manifestações constantes por melhores condições de trabalho na educação básica.
Na terça-feira (23), professores da UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul) decidiram pela deflagração da greve a partir do dia 1º de maio. Essa decisão ocorre após o Governo Federal apresentar uma nova proposta de acordo salarial.
Os professores e servidores federais reivindicam a recomposição salarial para corrigir a defasagem acumulada desde 2017, que representa uma perda de aproximadamente 40% em relação à inflação.
Em meio a isso, na quarta-feira (24) professores e servidores da Rede Municipal e Estadual de Campo Grande e outras 26 cidades promoveram uma manifestação em defesa e promoção da educação pública de qualidade.
As reivindicações incluem a valorização da carreira, reajuste com ganho real para os administrativos da educação, aprovação do PNE (Plano Nacional de Educação), realização de concursos públicos e cumprimento da lei que estabelece o piso do magistério.
Conforme Gilvano Bronzoni, presidente da ACP (Sindicato Campo-grandense dos Profissionais da Educação Pública), os professores buscam a implementação de um reajuste de 6% para os educadores de 20h semanais na rede pública municipal.
“Houve negociações em 2022, mas a proposta aprovada tem 52% de diferença do piso salarial”.Midiamaxnews