Não é só dinheiro: como ter mais brasileiros em grandes projetos da ciência
Telescópio Extremamente Grande (ELT) será o maior telescópio ótico do mundo Imagem: ESO
Para quem não sabe, estou trabalhando há alguns meses na Universidade de Massachussetts, nos Estados Unidos, em um projeto internacional de radioastronomia. A equipe daqui desenvolve, em colaboração com o governo mexicano, uma nova câmera capaz de detectar o gás e poeira em galáxias a dezenas de bilhões de anos-luz de distância, e sou o único brasileiro na equipe.
Minha participação foi garantida através de uma bolsa do Departamento de Estado norte-americano, que financia o intercâmbio de cientistas, garantindo a mobilidade e internacionalização da pesquisa. Voltando ao exemplo do meu projeto, é um investimento de cerca de US$ 50 milhões em instrumentação de radioastronomia. Outro projeto no qual sou coordenador —uma câmera para o futuro maior telescópio do mundo, o Telescópio Extremamente Grande construído pelo Observatório Europeu do Sul— tem verba maior ainda. No entanto, o Brasil tem dificuldades de participar de consórcios internacionais semelhantes.
Em grande parte, isso se deve à falta de planejamento e à suscetibilidade do investimento científico ao panorama político. Quando o dinheiro aparece, devemos correr para gastá-lo, pois não sabemos se estará aí no ano que vem.
Isso cria enormes obstáculos à participação de cientistas brasileiros em grandes projetos.
Como eu havia discutido em texto há algum tempo, a ciência de ponta é feita em escalas de tempo de décadas, não meses. Exige planejamento a longo prazo, algo quase impossível com essa instabilidade.
O resultado final é que a ciência brasileira muitas vezes é vista como coadjuvante, secundária.
Frequentemente perdemos a oportunidade de assumir papéis de liderança em grandes projetos internacionais, e estamos sujeitos às decisões tomadas pelos atores principais ao longo dos anos.
Não basta aumentar a verba disponível para a ciência, precisamos garantir esse financiamento para os próximos 10, 20 anos, assegurando uma estratégia que permita que cientistas brasileiros possam planejar seus próximos passos.
O James Webb entrou em operação no ano passado, mas começou a ser projetado e construído há muitos e muitos anos.
O Telescópio Extremamente Grande entrará em operação apenas em 2028, e essa câmera apenas em 2031. Será que eu terei financiamento para continuar participando do projeto até lá? Não sei dizer.
Esse financiamento é fundamental para montar uma equipe nacional com a expertise necessária para usufruir dos dados quando a câmera for inaugurada.
Durante todos esses anos, é necessário treinar estudantes e colaboradores para que a nossa equipe esteja em pé de igualdade com franceses, alemães e outros colegas quando o momento crucial chegar.
Da mesma forma, aqui nos Estados Unidos estou trabalhando duro para aprender o que for possível, levar o conhecimento de volta ao país e permitir que os nossos institutos nacionais sejam peças-chave nessas colaborações internacionais.
Só assim o Brasil dará o salto necessário para ser tratada de igual para igual no cenário global.
Apenas com investimento estratégico a longo prazo podemos participar das tomadas de decisão e assumir o protagonismo necessário.
Nota 1: nem todas as ciências dependem desse modelo de internacionalização para garantir o impacto, ele pode vir de outras formas. Mas na Astronomia é fato que, em uma ciência tão globalizada, as colaborações internacionais são fundamentais.
Nota 2: embora o nome pareça uma piada, o instrumento realmente se chama Telescópio Extremamente Grande!