Devastadoras, imagens de um Pantanal queimado mostram terra chorando de dor
A vida de Luiz Felipe Pereira Mendes nunca mais será a mesma depois que documentou a devastação do Pantanal sul-mato-grossense na Serra do Amolar, em Corumbá. Biólogo de formação, produtor audiovisual e cinegrafista profissional, Luiz tem o Pantanal e a cidade de Bonito como foco em seu trabalho. "Sempre trabalhei com natureza, projetos socioambientais ou ecoturismo e dessa vez fui para o Amolar gravar um documentário sobre extinções para uma TV alemã", conta ele.
Na passagem pelo bioma e já habituado com o local, o biólogo ficou impressionado com o sofrimento da terra, dos animais e das famílias que moram por ali. Há mais de 12 anos, Luiz está no Pantanal fazendo registros voltados às belezas desse ecossistema e projetos de conservação. "Eu já tinha ido no Amolar outra vez, numa época em que o Pantanal de lá estava pleno, fantástico, porque o pantanal do Amolar é um dos mais bonitos em questão de paisagem. Tudo é espelho d'água, é muita água, a serra em contraste, é um pantanal totalmente diferente. E também é pouco conhecido por questões de acesso, já que o lugar é remoto", detalha.
Semana passada, o profissional desembarcou com a equipe alemã na Serra do Amolar. Logo que chegou, avistou uma quantidade de fumaça razoável. "Quando chegamos lá em cima, não tinha fogo no Amolar, mas a seca é histórica entre os últimos 40 anos. Fui num lugar que havia ido em 2018 numa baía, e a baía, que era cheia da água, estava um solo árido muito triste", conta.
"Ver aquele solo, o pouquinho de água que restava, o barulho dos peixes se batendo na lama, quase morrendo, as moscas, e muita carcaça de bicho morto, que morreu atolado, foi o primeiro impacto muito grande que eu senti. Foi triste demais, já voltei esse dia muito abalado, muito abatido por ver essa quantidade de animais. A vida que existia ali não tinha mais", lamenta o fotógrafo.
Depois, a equipe começou a descer um pouquinho e chegou até a região de fogo. "Encontramos o senhor Caetano, que teve a casa queimada. Fazia um dia que tinha queimado a casa dele, e, assim, você vê o olhar daquela família, a tristeza de ter perdido 40 anos de serviço. Foram 40 anos para construir aquela casa porque ele vive de isca, então ele junta o dinheiro que consegue com isca, para conseguir os tijolos. São muitos anos até levantar a construção", relembra Luiz em depoimento ao Jornal Midiamax.
"Essa é a casa do Sr. Caetano, que ele demorou 40 anos para conseguir construir e em menos de 2 horas o fogo destruiu tudo. Grato pela sua vida e da sua família, sr. Caetano fica na agonia de não saber o que o futuro lhe reserva, agora que teve 40 anos de trabalho devastado. Por outro lado, existem instituições e pessoas que fazem muito por esse local e por essas pessoas. Fazem o que governos deveriam fazer, mas não fazem e levam um pouco de esperança a esse povo. Acompanhei o Instituto Homem Pantaneiro e vi nas ações o empenho e dedicação das pessoas em prol do Pantanal e seu povo", escreveu o biólogo na publicação.
Foram cinco dias na Serra do Amolar, o suficiente para mudar toda uma vida. "A gente ficou parado um tempo observando um fogo na beira do rio. Uma chama pequena, com muito material combustível, madeira, capim seco, rapidamente pegava muito fogo e as chamas subiam 15, 20 metros de altura e se espalhavam muito rápido, perdia de vista. 35 quilômetros de linha de fogo", lembra.
O vento virou para a direção de Corumbá, então toda a fumaça foi para a cidade. Ventos de 70 quilômetros por hora fizeram outras áreas serem queimadas juntas. Durante a madrugada, bombeiros fizeram o resgate de várias famílias. Pela manhã, a equipe com Luiz chegou até a região, presenciou momentos de dor, e teve conhecimentos de relatos terríveis.
Dois casos, em especial, marcaram Luiz Felipe. "Em uma casa, um senhor teve que se esconder debaixo do pier, dentro do rio, com a cabeça imergida na água ali, porque ele não conseguia respirar por conta da fumaça e os cachorros dele junto. Então ele falou que ficou cerca de uma hora e meia desse jeito, subia a cabeça um pouco, escondia de novo... Até que o fogo passou, não queimou totalmente a casa dele, mas fez grandes estragos. Ele se machucou numa cerca porque correu, o olho dele estava ferido", descreve.
Outra casa, na noite do incêndio, só tinha três mulheres: mãe, filha e avó. "Quando começou o fogo muito rápido, com ventos de 70km/h, as duas mulheres mais novas entraram no rio, ficaram na água para o fogo não queimar, e a outra senhora de mais idade começou a jogar água em volta da casa para não queimar o imóvel. De fato, não queimou, mas caiu uma árvore em cima e atingiu metade da casa. O cachorro dela morreu queimado, não conseguiu fugir do fogo. Os bombeiros ainda fizeram o enterro do animal, foi um momento muito triste. A senhora foi muito forte ali com a casa destruída", comenta o profissional.
De forma geral, o impacto foi muito grande. "Eu voltei pra casa e na hora que eu cheguei e saí daquele mundo, o corpo estava muito exausto, mesmo usando todos os equipamentos de proteção individual, inalei muita fumaça. Fico pensando nas pessoas de lá que não tem esses EPIs inalando aquilo todo dia, com certeza vai causar muitos problemas de saúde", afirma.
"Hoje, refletindo sobre tudo isso, é muito triste. Eu fiquei forte depois, porque a gente precisa registrar e mostrar para a população que todos esses problemas ambientais estão muito próximos da gente. As pessoas que são do meu vínculo são acostumadas a ver essas belezas do Pantanal e quando eu comecei a mostrar a devastação de seca, de queimada e bicho, de gente perdendo casa, deu uma repercussão muito grande e um choque também", acredita.
Luiz vê nas imagens um forte poder de conscientização. "É triste, mas mostra para as pessoas que estamos no caminho errado, porque nós, seres humanos, estamos causando tudo isso aí por diversos fatores. Então... me senti forte nesse momento de registrar, mostrar e divulgar para o povo para eles sentirem na pele. Não vão sentir tanto quanto quem está lá, porque é triste, é desolador, não tenho palavras. Eu fiquei em choque ainda", finaliza o biólogo.
Midiamaxnews