segunda-feira, 2 de setembro de 2013
RIOVERDEMS | Por PORTAL RIOVERDE NOTICIAS
Paranhos: "Ilha de prosperidade", aldeia guarani produz tudo sem depender da Funai
Edivaldo Bitencourt, enviado especial a Paranhos por Campograndenews
Rebanho de 180 porcos é mantido pela comunidade e carne é dividida entre as 120 famílias (Foto: João Garrigó) |
Em meio a violência, miséria e falta de terras, uma aldeia da etnia Guarani Kaiowá surpreende ao se tornar auto sustentável e viver com boa qualidade de vida. Em Paranhos, a 440 quilômetros da Capital, a Aldeia Sete Cerros, com 556 habitantes, consegue garantir renda, alimentos e até comprar equipamentos sem depender do poder público.
A saga até parece inacreditável entre os 43 mil índios guaranis, de um população indígena total de 61.737 em Mato Grosso do Sul, segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) de 2012. A etnia é marcada por sofrer com a falta de terra, a miséria, a violência, drogas, alcoolismo e suicídios.
Na reserva de 8,5 mil hectares, cada uma das 120 famílias obtém uma cesta básica por mês, contam com ônibus próprio de 46 lugares para ir à cidade, que fica a 48 quilômetros, três vezes por semana e dois tratores.
Ônibus adquirido com recursos próprios leva moradores até a cidade (Foto: João Garrigó) |
A renda mensal está garantida com o arrendamento de 3 mil hectares para pecuaristas da região, que deixam 1,6 mil bovinos nas pastagens da reserva. Os índios ganham em torno de R$ 11,2 mil por mês pelo arrendamento. A prática, que é condenada pelo Ministério Público Federal em outras regiões do Estado, garante a independência financeira aos moradores do local.Graças ao arrendamento, eles não precisam ficar dependendo do poder público para comprar óleo diesel para cultivar 40 alqueires de lavoura. Neste ano, segundo o capitão Pedro Valiente, 39 anos, foram colhidas aproximadamente um milhão de quilos de mandioca. O faturamento da produção chegou a R$ 170 mil.
Índios no meio da plantação de mandioca, que deve dobrar área cultivada neste ano (Foto: João Garrigó) |
Só um grupo de sete mulheres ganhou R$ 20 mil com o plantio da mandioca, já que a lavoura é cultivada por grupos. Todos trabalham na aldeia, que não registra suicídio, casos de desnutrição nem violência, um fato raro entre as comunidade da etnia Guarani Kaiowá em Mato Grosso do Sul.
Com apenas a segunda série do ensino fundamental, o capitão comanda a revolução na aldeia. Ele faz planos ousados. A primeira meta é dobrar a área plantada, de 40 para 80 alqueire. Tudo preparado com recursos próprios. Os 20 mil litros de diesel enviados anualmente pela Funai (Fundação Nacional do Índio) não são suficientes para atender uma das cinco aldeias do município, reconhece o prefeito Júlio César de Souza (PDT).
O cultivo e o arrendamento permitem a Aldeia Sete Cerros investir em logística, digamos assim. Além do ônibus, os índios compraram um Ford 4000, ano 2004, e estão trocando uma caminhonete Ranger por uma Fiat Strada.Eles não ficam dependendo de favores do poder público para iniciar o plantio. Compram a própria semente de milho e a rama da mandioca. E completam o óleo diesel dos dois tratores estacionados na “sede” da reserva.
Um dos dois tratores: índios não dependem da Funai para obter óleo diesel (Foto: João Garrigó) |
A fartura é grande. Além de cada família criar galinhas, a comunidade tem um rebanho de carneiros, 96 vacas leiteiras e porcos. Geralmente, Valiente mata de cinco a seis leitões e divide a carne entre os índios.
Os 180 porcos ficam soltos durante o dia e são recolhidos à noite em um chiqueiro, que fica em um canto da reserva. Um dos dois cuidadores dos porcos é o aposentado Lucildo da Silva, 65 anos. Ele contou que dá ração aos animais dois vezes por dia. “A vida é boa”, conta ele, aos risos.
Não é o único que aparenta estar feliz. Juvenil Vera Martins, 36 anos - pai de quatro filhos de 1, 6, 10 e 13 anos – cultiva a mandioca e o milho. Ele vende a produção que garante o sustento da família. Todos os filhos estudam na escola da aldeia. Um já concluiu o 5º ano do ensino fundamental e vai utilizar o transporte escolar para chegar na escola urbana.
Alison Valiente, 19 anos, dá aula de educação física na escola indígena. Ele está cursando o último ano do ensino fundamental, mas já sonha com a faculdade de Educação Física. O jovem conta com uma motocicleta para participar dos campeonatos de futebol amador em Paranhos e na cidade paraguaia de Ype-Jhú.
Até quem não costuma sair da reserva reclama. O aposentado Francisco Velasques, 67 anos, tem oito filhos. Sete já estão casados. Ele diz que não tem do que reclamar. Enquanto outras aldeais se queixam da falta de médico, um profissional realiza atendimento duas vezes por semana no posto de saúde local. Também não falta remédios, garante o capitão.
Pedro Valiente tem sonhos ambiciosos para a família, formada por cinco filhos e a esposa, Elza, 32 anos. A maior aposta está no filho Cleber Valiente, 15 anos, que é o Vinícius da dupla sertaneja Pedro Paulo e Vinicius. Eles já gravaram o primeiro DVD e promovem shows pela região. A dupla será uma das atrações da Expobai (Exposição Agropecuária de Amambai), um dos principais eventos do agronegócio da região sul do Estado.
A boa convivência dos índios com os grandes produtores da região é outro destaque na Sete Cerros. Para o capitão, o conflito não é bom para ninguém.
E a aldeia Sete Cerros tem bons números para mostrar. O último suicídio ocorreu há mais de cinco anos, conforme as lembranças do capitão. Para o prefeito de Paranhos, a reserva é um exemplo para os índios da região e de todo o País.
“Eles têm qualidade de vida”, analisa o pedetista, que quer espalhar o exemplo para todo o município. Com esse objetivo, o prefeito articulou a retomada da farinheira, uma fábrica de farinha de mandioca que estava fechada há vários anos.
A proposta é reabrir a fecularia em 90 dias com capacidade para 110 mil toneladas de mandioca por ano. O faturamento pode chegar a R$ 18,7 milhões por ano.
Diante do sucesso, o plano é levar o exemplo da Sete Cerros para as outras quatro aldeias do município. Pela proposta, cada grupo de 7 a 8 famílias cultivariam de cinco a sete hectares de mandioca. “Se esperar pela Funai, não tem nada”, avisa Júlio César.